Carta de
São Paulo
Encaminhamentos políticos do 2°
Seminário Nacional de Universidade Popular
Companheiros e companheiras,
Já desabrocha na sociedade e na universidade brasileira
um processo de lutas de longo alcance. Seu desfecho dependerá da capacidade de
organização do povo em colocar sua pauta de lutas de modo convicto, e instaurar
um processo de mobilização que esteja à altura. O 2° SENUP, realizado em São
Paulo nos dias 8, 9 e 10 de Agosto, foi um pequeno tijolo nessa construção.
Inspirados pelo ambiente de lutas que emanava da sede do
Sindicato dos Metroviários de São Paulo, contamos com a experiência de pessoas
e movimentos que engrandeceram nosso debate: Anita Leocádia Prestes, Ricardo
Antunes, Ronald Rocha, Lucineia Martins Scremin, Escola Nacional Florestan
Fernandes, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Comitê Popular da Copa
- SP. A atividade no acampamento do MTST "Copa do Povo" em Itaquera
fechou o encontro alimentando a militância do nosso movimento para as batalhas
que virão.
O 2° SENUP avançou num encaminhamento fundamental: construir o Movimento Universidade Popular
(MUP) nacionalmente. A partir de agora constituiremos uma identidade
nacional unitária, iniciando debates em cada local onde já existem grupos e
movimentos constituídos, e constituindo novos movimentos locais/estaduais, para
construção dessa unidade a partir das condições de cada local. Propõe-se que
cada esfera do Movimento (nacional, estadual, municipal) se organize
internamente por tarefas específicas (agitação e propaganda, formação,
finanças, etc), linhas de atuação (ciência e tecnologia, democracia
universitária, permanência estudantil, extensão popular, etc), por localidade,
ou outras formas que se julgar adequado. Cada uma dessas esferas pode realizar
periodicamente plenárias para discutir as linhas gerais do movimento na cidade
ou no estado. A nível nacional organizaremos do Colegiado Nacional do MUP, que
reunirá representações do MUP de cada estado onde esteja organizado, bem como
de cada entidade, movimento e organização nacional participante. Esse Colegiado
será constituído em sua primeira reunião nacional a ser realizada nesse segundo
semestre e prezará pelo consenso em suas deliberações.
O Colegiado Nacional do MUP
trabalhará na construção de uma Semana
de luta pela Universidade Popular como primeira ação voltada a atuação
nacional do movimento nas ruas, escolas e universidades, articulando as pautas
de cada local, potencializando-as e buscando diálogo com movimentos locais.
A militância do MUP se propõe a partir de agora a dar um
salto de qualidade na sua forma de organização, ampliando cada vez mais a luta
pela universidade popular, que será apropriada como uma luta popular pela
transformação da universidade e da sociedade brasileira, rumo a uma sociedade
sem opressão e exploração de classes. Como parte constitutiva do Bloco Popular,
a luta pela universidade popular caminhará a passos largos no interior da
construção de um novo modelo educacional para além do capital. A seguir
apresentamos algumas das conclusões do 2° SENUP para caminhar nesse rumo.
Lutar, criar, universidade popular!
Movimento Universidade Popular - MUP, Agosto de 2014
I. As
jornadas de junho e a construção do bloco popular
A mesa de abertura do 2°
Seminário Nacional de Universidade Popular – SENUP teve como tema a
"Situação das lutas no Brasil e a construção do Bloco Popular". Foi
analisado o atual contexto das lutas populares em nosso País, visualizando a
construção do "Bloco Popular" capaz de aglutinar o conjunto dos
explorados e oprimidos em prol de um novo projeto de sociedade, debate
necessário para pensarmos como que esse processo se articula com a luta do
movimento universitário por um projeto de universidade popular.
As jornadas de junho ocorridas
em 2013 levaram milhões às ruas em mais de 400 cidades. A irrupção dos
protestos se deu a partir das reivindicações relacionadas ao transporte
coletivo urbano, exigindo redução das tarifas e melhores condições de
transporte aos usuários; mas logo se evidenciaram diversas outras
reivindicações também ligadas aos anseios mais sentidos pelo povo em geral:
saúde, educação, moradia, etc. Demandas que não são novas, e que já foram eixos
de amplas mobilizações como a luta pelas reformas de base nos anos 60,
interrompida pela ditadura civil-militar.
A história demonstra a
importância da organização, da elevação do nível de consciência e de um projeto
claro de profundas transformações sociais. As jornadas de junho nos mostraram
que enquanto não forem conquistadas mudanças estruturais, que realmente
enfrentem o bloco de poder dominante e contemplem as necessidades mais sentidas
pela maioria do povo, a luta popular terá continuidade e explodirá com mais
amplitude. As massas populares já não suportam o nível de exploração e
opressão, e a cooptação já não consegue mais garantir o apassivamento.
A conjuntura brasileira é
resultado do processo histórico em que a revolução burguesa se consolidou e
forjou um tipo específico de dominação do grande capital, e o aprofundamento da
dependência não impediu o desenvolvimento capitalista. Este se dá enquanto um
"desenvolvimento conservador", que mantém e re-funcionaliza
estruturas antigas, combinando o "moderno" com o "arcaico"
numa ordem autocrática que não pode tolerar pressões e conquistas
significativas por parte dos "de baixo". Portanto, em nossa realidade
as tarefas nacionais e democráticas deixaram de ser tarefas burguesas, e só
poderão ser conquistadas a partir da pressão popular, no interior de um projeto
que só será viável na medida em que aponte para a ruptura com a ordem
capitalista.
Bandeiras como a reforma
agrária, reforma urbana, saúde e educação públicas, ampliação dos direitos
trabalhistas, etc. seguem mais atuais que nunca, e a própria realidade nos
mostra que a atual ordem não é capaz de suportar a realização dessas bandeiras,
colocando a necessidade de que as massas trabalhadoras lutem por um outro
projeto de sociedade. O bloco de poder dominante formado pelos grandes
monopólios nativos e estrangeiros, pelos latifúndios (que se apresentam hoje
como agronegócio) e pelo dominação imperialista, consolidou sua hegemonia na
ditadura civil-militar e perdura seu domínio até os dias de hoje. Somente a
organização de um bloco popular que se contraponha a esse poder dominante, com
um claro projeto de transformações baseado em uma análise coerente da nossa
realidade, será capaz de solucionar as demandas históricas forjadas nas lutas
do povo brasileiro.
Se a luta por uma Universidade
Popular deve dar-se "de dentro pra fora e de fora pra dentro" da
universidade, ela precisa se calibrar na constante solidariedade e troca com
todas as lutas populares correntes em nosso País. Fazendo com que a luta pela
nova universidade seja forjada conjuntamente com a luta geral dos trabalhadores
e do povo brasileiro pela nova sociedade, no horizonte da "educação para
além do capital" e da emancipação humana.
II. A
universidade e a luta pela Educação Popular
Não se pode discutir a universidade descolada do
contexto maior no qual ela se insere: o da educação. Nem tampouco discutir a
educação fora do contexto que a engloba: o da sociedade. Dentro da sociedade, as
instituições formais de ensino são apenas parte do que se constitui como
educação, ou seja, não são somente elas que desempenham um papel educacional.
No local de trabalho ou no convívio familiar, ou seja, em toda atividade do
cotidiano, também se processa uma forma de educação. Um projeto de
transformação da educação precisa ter clara esta dimensão ampla do processo. No
entanto, não pode deixar de perceber que a educação formal cumpre um papel
organizador de todo este processo educacional amplo, e dentro desse âmbito a
universidade tem importância destacada.
A bolha e
seu gargalo
Não é incomum ver debates críticos a respeito do
modelo de universidade vigente hoje recaírem sobre a questão de que "a
universidade é uma bolha". Afastada do mundo real, de costas para os
problemas sociais, fechada em si com preocupações que nascem e morrem dentro
daquele mesmo espaço sem jamais deixá-lo, a universidade atual parece ter se
constituído como um universo que não é mais capaz de dialogar nem de interagir
com as questões que realmente merecem seu esforço de reflexão e produção de
conhecimento. Este é, de fato, um sentimento justo e correto, mas ainda
incompleto e parcial. A universidade jamais fechou-se em si mesma
completamente. E mais: ela não somente está e sempre esteve inserida em seu
contexto social como, cada vez mais, ela torna-se o que podemos chamar de uma
"instituição chave".
Enquanto instrumento que atende às demandas da
classe dominante de cada época e local, a universidade historicamente
contribuiu para a formação permanente de uma intelectualidade orgânica de
classe. Ela forma quadros para dirigirem o Estado, educadores de todos os
níveis (desde o ensino infantil até a pós-graduação), além de praticamente
todos os quadros técnicos que dirigem o sistema produtivo. Em termos de
manutenção da ordem vigente, a universidade cumpre um papel social de causar
inveja. Em outras palavras, a universidade é sim uma bolha, que se fecha para o
povo, mas que se mantém aberta para os interesses do capital através do gargalo
da apropriação privada.
Tanto isto é verdade que a universidade foi
ganhando diferentes características em cada local e de acordo com a época em
que se implantou ao redor do mundo. A universidade que brotou da Revolução
Francesa apresentava características relacionadas ao combate à velha
universidade aristocrática que não foram vistos na mesma proporção no
desenvolvimento da universidade inglesa, por exemplo, da aurora do capitalismo.
Na América Latina a universidade também ganhou características próprias, no
Brasil surgiram especificidades com relação aos países vizinhos. Isto não quer
dizer que haja universidades mais ou menos capitalistas de acordo com cada
país, mas que a universidade atende à dinâmica do capitalismo conforme a sua
demanda, adequando-se sempre aos seus interesses dentro de um desenvolvimento
que é desigual e combinado.
Isto mostra como o contexto social influi
diretamente sobre a formação da estrutura universitária, desde sua gênese, mas
também em todo o seu processo de transformação. A universidade brasileira, por
exemplo, passou por transformações significativas ao longo de sua história, de
acordo com o contexto econômico e político de cada época (golpe militar,
acordos MEC-USAID, período de implementação da política do consenso de
Washington, etc.). Estas transformações, contudo, sempre serviram apenas para reforçar
suas características gerais, presentes desde sua criação: uma universidade
dirigida por uma classe dominante dependente e associada ao imperialismo, aos
monopólios e ao latifúndio, que se vincula ao sistema produtivo de forma
subordinada aos interesses privados do grande capital, que privilegia os
setores produtivos do modelo econômico vigente, que moderniza o campo sem
alterar sua estrutura de poder e que incentiva a privatização da educação e da
produção de ciência e tecnologia, entre tantas outras facetas deste modelo que
muito bem pode ser chamado de "perverso".
Um exemplo claro: o processo de privatização do
ensino superior no Brasil fez com que hoje 73% das matrículas estejam nas mãos
de grupos privados, sendo que deste montante cerca de 20% concentram-se em
apenas um grupo empresarial (o grupo Kroton-Anhanguera). Trata-se ou não de um
modelo voltado aos interesses privados do capital monopolista? A resposta é
evidente, e isso que o exemplo se restringe a apenas um aspecto bastante
parcial do processo de privatização do conhecimento, que é a mercantilização do
ensino. Poderíamos tomar outro, como o da autonomia universitária: o que era
para ser uma autonomia de gestão financeira, baseado na ideia de que deve haver
um processo democrático no interior das universidades de maneira que ela se
torne autônoma para gerir seus recursos sem interferência da política de
governo, se transforma cada vez mais numa autonomia financeira, em que o Estado
se isenta do financiamento da educação e a universidade passa a buscar recursos
no setor privado, sendo obrigada assim a seguir o velho ditado que diz que
"quem paga a banda escolhe a música".
Assim, toda promessa de "reforma
universitária" precisa ser vista dentro de uma perspectiva que leva em
conta, sobretudo os interesses de classe. A história já evidenciou: uma reforma
universitária de verdade não foi nem será feita pelas classes dominantes. O que
vemos sendo implementado atualmente é, na realidade, o oposto de uma verdadeira
reforma universitária, uma vez que apenas aprofunda os elementos já enunciados
como permanentes na história da universidade brasileira até os dias de hoje.
A ideia de que deve haver, dentro do contexto
universitário brasileiro, "centros de excelência" na produção do
conhecimento, tal como vem sendo colocado atualmente, não alavanca uma
verdadeira melhoria na qualidade do ensino superior, pois concentra os esforços
relacionados à qualidade em poucas universidades, que passam a ser as meninas
dos olhos do sistema, gerando uma grande disputa entre todas as universidades
para ver qual será a bola da vez. As consequências são diversas: intensa
sobrecarga de trabalho sobre os professores e técnicos, que cada vez mais
precisam operar dentro da lógica do "produtivismo acadêmico";
privatização ainda maior da produção de conhecimento, uma vez que os recursos
públicos não aumentam e o financiamento para a corrida pela excelência passa a
ser buscado no setor privado; esmagamento da democracia universitária, uma vez
que o que passa a dirigir as decisões é a disputa externa pela excelência, que
se torna uma questão de vida ou morte; substituição da lógica de gestão de uma
instituição pública pela lógica das instituições privadas, uma vez que a
corrida por "produtividade" é justamente o que dirige estas últimas,
e por aí vai. Obviamente que esta lógica não é uma criação genuinamente
brasileira, muito pelo contrário, ela é apenas o modo como a universidade
brasileira se insere na "competitividade" mundial, com seus rankings
e centros de excelência mundiais.
Assim, dirigida pela lógica do capital
monopolista na era do imperialismo, as velhas limitações da universidade
brasileira não passam por reformas capazes de saná-las, mas sim por um processo
de reciclagem, em que tudo se transforma para se manter como está.
Por que e
para que romper com este modelo
Sendo a universidade apenas parte do processo
educacional formal, e o processo formal apenas parte do processo amplo, e sendo
o processo educacional apenas um aspecto da organização societária na qual
vivemos, a luta pela transformação da universidade é apenas uma trincheira que
se insere dentro de uma luta bem mais ampla, cujo objetivo é a transformação
estrutural da sociedade. Diante disso, é necessário ter clara a dimensão e
importância desta trincheira: ela não deve ser super nem sub estimada.
Experiências de transformação radical da
sociedade que ocorreram em outros tempos e em outros lugares já nos mostraram
que a universidade pode se transformar em um verdadeiro polo aglutinador da
reação conservadora. Foi assim no Chile e tem sido na Venezuela (onde a
Universidade Bolivariana funciona paralelamente à manutenção da universidade
tradicional), para mencionar exemplos próximos. Isto significa que, dentro do
processo de transformação social, a disputa da universidade cumpre um papel que
não é desprezível. Por outro lado, não se pode transformar a sociedade de fato
a não ser pela organização da classe trabalhadora, que luta para superar o modo
de produção capitalista e assumir as rédeas do processo de produção e reprodução
da vida humana. A universidade não é um elemento da base da sociedade, mas sim
da superestrutura. A luta universitária deve estar articulada e calibrada com
as lutas maiores que se processam fora dela.
Melhor compreendida a dimensão e importância da
trincheira, é preciso ter claro que lutar nela não deve significar apenas
resistir, mas também avançar. A reforma universitária de que precisamos só pode
ser conquistada de fato e plenamente dentro de outra ordem que não a do
capital, mas a luta por ela se inicia dentro da ordem vigente, e então, caso a
estratégia esteja clara, se transforma em luta contra a ordem. Entendemos por
Reforma Universitária aquilo que expressava Florestan Fernandes:
Construir
uma universidade totalmente nova – educacionalmente criadora, intelectualmente
crítica e socialmente atuante, aberta ao povo e capaz de exprimir politicamente
os seus anseios mais profundos. (FERNANDES, Universidade
Brasileira: Reforma ou Revolução?, 1975, p.20)
Desta forma, é necessário construir uma contraofensiva
pela transformação da universidade. Não queremos o modelo atual, e isto já
inclui lutar para reverter o processo de transformações em curso, cujo sentido
aponta unicamente para um aprofundamento do próprio modelo atual.
Exemplos de que uma transformação profunda é
possível existem. Em Cuba o termo "extensão universitária" caiu em
desuso, pois faz parte do cotidiano da universidade manter-se em constante
contato com os problemas do povo cubano. Na Venezuela constrói-se a experiência
da Universidade Bolivariana. No Brasil há tentativas que passam por fora da
universidade já instituída, como é o caso da Escola Nacional Florestan
Fernandes, ligada ao maior movimento social da América Latina, o MST. Os
exemplos contra-hegemônicos são importantes no sentido de apontar a
possibilidade de superar a luta meramente reativa contra o atual modelo e
avançar para uma ofensiva, ou seja, no sentido de buscar construir as bases
para uma outra hegemonia, um outro projeto, o projeto popular para a
universidade.
O movimento universitário precisa superar alguns
de seus vícios, como o imediatismo, para poder vislumbrar um processo de
transformação de longo prazo. Esta perspectiva de longo prazo não pode
significar que se deve diminuir o ritmo da luta ou manter-se na espera, pelo
contrário, a luta por uma universidade popular não está para começar ainda,
pois ela já existe há muito tempo, o que precisamos é retomar a clareza
estratégica para superar a fragmentação da luta atual.
A luta por uma universidade popular é uma luta
estratégica, que se insere como estratégia parcial dentro da luta mais ampla
pela transformação da sociedade, mas que precisa ser vista como bandeira geral
para a luta pela transformação da universidade. Isto quer dizer que ela deve
apontar os caminhos que orientam cada pequena ou grande luta que tocamos
diariamente no movimento universitário, e que deve ser incluída inclusive nas
pautas dos movimentos sociais que atuam fora da universidade. Como
instituição-chave, a universidade é um bastião estratégico para a transformação
de todo o modelo educacional. Mais que isso, ela é importante para a
transformação de toda a sociedade. Somente colocando-a a serviço do povo é que
se possibilitará a construção de uma sociedade livre da exploração e da
opressão.
A transformação efetiva da universidade deve ser
uma luta capaz de não somente "romper a bolha", mas também de cortar
o cordão umbilical que a conecta com os interesses privados das classes
dominantes. Este é o horizonte da luta. Cada passo neste sentido é fundamental,
seja na universidade pública ou na privada. O que o momento atual exige é uma
orientação de esforços capaz de dar um sentido para a luta, para que a luta dê
um sentido à universidade.
III. Construir
nacionalmente o MOVIMENTO UNIVERSIDADE POPULAR - MUP!
Estudantes
argentinos lançam em 1918 o “Manifesto de Córdoba” exigindo uma ampla e
profunda Reforma Universitário. Nas décadas seguintes, universidades populares
surgem pela América Latina. A luta se dava dentro e fora da universidade
existente. No Brasil, o segundo Congresso Nacional de Estudantes (1938), um ano
depois da fundação da UNE, lança as primeiras formulações de maior expressão do
movimento estudantil brasileiro. Na década de 60, realizam-se duas edições do
Seminário Nacional de Reforma Universitária, de onde saem a “Declaração da
Bahia” e a “Carta do Paraná” que propõem abrir a Universidade para o povo e a
integração do movimento universitário à luta por reformas em toda a estrutura
da sociedade brasileira. Nos anos 80,
a Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior – Sindicato Nacional
(ANDES-SN) formula a “Proposta do Andes-SN para a Universidade Brasileira”.
Todos esses momento coincidem ou antecedem significativos períodos de ascenso
das lutas populares em nosso país.
Mais
uma vez estamos em um momento emblemático. As lutas no país demonstram que é
hora de construir um movimento amplo, que reivindique a história do movimento
universitário e popular, que seja capaz de compreender seus principais erros e
acertos, aprendendo com as experiências passadas. Em três anos desde o 1°
Seminário Nacional de Universidade Popular - SENUP (Porto Alegre, Setembro de
2011), com a criação do Grupo de Trabalho Nacional de Universidade Popular –
GTNUP, buscamos ampliar as bases de um debate necessário para a construção de
uma sociedade livre, sem exploração e opressão: para que(m) estão servindo as
instituições educacionais, mais precisamente a universidade, em nosso país?
Para
nós, a resposta para essa pergunta é de que essas instituições não estão
servindo aos trabalhadores e ao povo, pelo contrário, estão servindo àqueles
que exploram o povo. Por isso, fizemos um grande esforço para nacionalizar a
estratégia de luta pela Universidade Popular a partir da mobilização e do
debate, expresso em 6 reuniões nacionais desde o primeiro Seminário
(Niterói/Rio de Janeiro, Curitiba, Goiânia, João Pessoa, São Paulo e Porto
Alegre), que nos deram a convicção do passo que demos no 2° SENUP: construir nacionalmente o Movimento
Universidade Popular!
A
história nos mostra que não se pode separar estratégia de movimento da
estratégia de construção do próprio movimento, pois ambos se condicionam
reciprocamente. O movimento elabora a estratégia, e ela é necessária para dar
passos seguros, mas ao mesmo tempo sua validade deve ser testada na prática e
adequada sempre que preciso. Por isso, a construção de um movimento capaz de
ligar um conjunto de táticas e bandeiras de lutas parciais com um fim
conscientemente perseguido é fundamental. A estratégia deve ganhar concretude e
ser guia para as ações presentes.
Deve apresentar como finalidade decidida um projeto
global para contrapor o projeto do capital para a universidade e para a
educação. Assim, a estratégia de luta pela Universidade Popular não é em si uma identidade política, um rótulo,
tampouco algo abstrato que paira
sobre o movimento real. Ela está presente em cada luta específica atual e é condição para que elas
acumulem força para o futuro e não parem em si mesmas. E também diz com quem andamos, a aliança desejada:
lado a lado com os trabalhadores da cidade e do campo, com os setores
populares, sujeitos históricos da transformação revolucionária da universidade
e da sociedade.
O MUP deve participar nas lutas que estão
ocorrendo, inserindo-se em diversos espaços, criando outros que sejam
necessários, contribuindo para impulsionar as lutas para frente, saindo da
defensiva e da pauta reativa, e partir para a luta ofensiva por outro modelo de
universidade e sociedade. Há nitidamente um vazio estratégico, que amarra o
movimento universitário nas suas disputas internas, na “pequena política”, o
que acaba por enfraquecê-lo, inclusive para obter vitórias parciais. Precisamos
ter clareza da “grande política” e construir uma prática militante que valorize
as experiências existentes, sem se restringir a elas: as lutas específicas são
importantes para obter conquistas imediatas, para educar o próprio movimento,
para acumular forças, mas não serão duradouras sem um claro enfrentamento com o
bloco de poder dominante. Esse bloco é formado pelos monopólios, latifúndio e
imperialismo, e tem direcionado toda a política nacional nas diversas esferas
(educação, saúde, segurança, agrária, etc) para manutenção da acumulação e do
lucro, ou se preferirem, do “crescimento econômico”, afastando os trabalhadores
e o povo dos direitos sociais mais básicos.
Nesse sentido, não vemos a Universidade Popular
como um fim em si: cumprirá um papel no interior da luta pela superação do
capitalismo no Brasil, que é dependente e associado. A partir da luta por
dentro das contradições da universidade – que cumpre funções vitais dentro da
ordem existente – acumulará forças para superar a própria ordem. Essa é uma
luta necessária, incontornável, pois é essa ordem que nega as oportunidades
educacionais para a grande maioria do povo. Se ser culto é uma forma de ser
livre, como dizia o poeta cubano José Martí, então a universidade tem que ser
uma instituição pulsante na construção da liberdade. Ou seja, o MUP contribuirá
para a construção do bloco de forças sociais e políticas dos trabalhadores e do
povo que será responsável pela transformação da universidade e da sociedade,
duas lutas que devem estar profundamente interligadas.
Propostas,
atuação e formato do MUP
É fundamental termos claro na construção do
movimento que há documentos construídos nos últimos anos, que servem como orientação programática: Carta de Porto Alegre (2011), Produção do
conhecimento (2013) e os demais textos que debatidos e aprovados no 2°
SENUP. Assim, nos aproximamos da tarefa colocada em 2011: construção de um programa mínimo (tático) e elementos de
um programa máximo (estratégico). Os
militantes do MUP devem buscar articular permanentemente essas duas dimensões a
partir das lutas cotidianas construídas em cada universidade, escola,
sindicato, comunidade, etc.
Cada realidade particular possui toda uma
complexidade que lhe é própria. O MUP deve saber articular criativamente as
distintas mobilizações que podem iniciar e se desenvolver das mais distintas
formas. Vemos lutas por democracia universitária em todos cantos do país;
estudantes lutando por direito à permanência nas universidades, por bolsas,
restaurante, biblioteca, moradia; a luta nas universidades privadas pelo
congelamento ou rebaixamento de mensalidades; professores e técnico-administrativos
lutando por melhores salários, condições de trabalho; a comunidade
universitária participando ativamente das lutas por reforma agrária, urbana,
pela saúde pública; os questionamentos aos currículos atrasados, ao ensino
tecnicista e desumanizado; lutas contra a privatização das universidades, dos
hospitais universitários; a organização de cursinhos populares, uma clara
exigência da quebra do caráter elitista das universidades. Todas essas e outras
lutas são parte integrante da luta pela Universidade Popular! Elas são o
momento interno dessa luta maior, criam
o caldo político-programático do movimento.
Para participar do MUP não é necessário conhecer
e concordar com todas suas formulações. O MUP se propõe a ser um movimento de massas,
combativo, e como tal, entende que a própria luta vai educando e formando os
militantes, o que deve ser combinado com a formação teórica, com estudos
voltados a aprofundar o conhecimento sobre a realidade que nos cerca. Ninguém
transforma aquilo que não conhece. Essa combinação da prática com a teoria
ampliará cada vez mais a estratégia de luta pela Universidade Popular.
Os últimos anos de construção do GTNUP nos
permitiram aprender e absorver experiências locais, construindo o Movimento de
baixo para cima. O entendimento é de que o MUP é um movimento autônomo e democrático, aglutinando trabalhadores e
estudantes sem orientação político-partidária, bem como organizações, entidades
de massa, grupos e coletivos, tendências políticas, partidos, etc. Não será
tendência ou subordinada a nenhuma organização política, mas também não as
negará como atuantes e construtoras. Deve ser um movimento que aglutine as três
categorias universitárias (professores, técnico-administrativos e professores)
e outros setores do movimento educacional (escolas básicas e técnicas) e
popular, bem como solidário às lutas dos trabalhadores. Sabemos: trata-se de
uma estratégia política ousada, que inclui a possibilidade de compreensões
distintas. No entanto, é importante compreender o processo sem sectarismos,
pois a estratégia será calibrada de acordo com os passos concretos traçados
pelo movimento.
O
Movimento se propõe a ser uma referência
de luta por outra universidade a partir da reflexão programática, de debate e formulações criativas e
consistentes. Construiremos ações de enfrentamento à atual ordem universitária
elitista, conservadora, antidemocrática e que cultua os interesses privados e
particularistas.
Precisamos
avançar na orientação consciente de cada uma de nossas ações. Essa é a forma de
implementar a estratégia na prática. Sabemos, no entanto, que não
conquistaremos a Universidade Popular amanhã, mas nos propomos a contribuir com
formas superiores de organização. Por entre as ruínas da universidade atual,
cuja transformação se faz urgente, edificaremos um modelo educacional
inteiramente novo, construído pelo povo e para o povo!